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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Falta de cuidado com a saúde mental leva médicos à depressão, dependência química e ao suicídio

Especialistas se reúnem em Nova Lima para I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, nos dias 28 e 30 de março



 


 (SXC.hu/Banco de Imagens)
Autossuficiência é a palavra que pode sintetizar a dificuldade que o médico tem de procurar ajuda quando adoece. No livro, ‘Médico como Paciente’, a autora e doutora em psiquiatria Alexandrina Meleiro cita o benefício da ignorância como um fator que protege a pessoa leiga de compreender o que vai lhe acontecendo e permite que esse paciente acredite na palavra do médico. Nesse contexto, sentimentos como onipotência e vergonha fazem com que muitos profissionais assumam a automedicação. As consequências são variadas, mas quando o assunto é saúde mental, vemos a categoria amargar incidência alta de dependência química, depressão e taxa de suicídio. No Brasil, essa discussão ainda é tímida, mas os profissionais da saúde terão a oportunidade de trocar experiências na ‘I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos’, promovida pela Academia Mineira de Medicina nos dias 28 a 30 de março, no auditório do Instituto Biocor, em Nova Lima.

Psiquiatra, coordenador da Comissão de Atenção à Saúde Mental dos Médicos, membro emérito da Academia Mineira de Medicina e idealizador da I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, José Raimundo da Silva Lippi lembra que as pessoas podem alcançar um nível intelectual muito grande, mas mesmo assim ser emocionalmente frágil. “A saúde mental é um estado que vai sendo alcançado através da capacidade que o ser humano tem de tolerar níveis cada vez maiores de tensões e de frustrações. O homem saudável não é aquele que vence as frustrações, porque elas não são elimináveis, mas sim o que tolera bem os níveis de decepção”, explica.

O médico afirma que quando o estresse está acima do suportável para a pessoa, se ela não procurar ajuda, os descaminhos podem ir da ansiedade ao suicídio. “Quando esse estresse supera o nível que o organismo resiste, os sinais começam a aparecer. Pode redundar em não dormir bem, perder o apetite ou ter apetite exagerado, diarreia, dores que são suportáveis para outras pessoas, mas são muito grandes para os que estão com equilíbrio emocional desorganizado”, salienta.

Para ele, os médicos são motivados pelo desejo de salvar vidas e a Jornada quer chamar a atenção não só da classe médica, mas também da população para a peculiaridade da profissão e os riscos que envolvem esse lavor. “Falta de condições de trabalho, excesso de carga horária, a tensão da relação médico-paciente são alguns fatores que aumentam a vulnerabilidade do médico em relação a outras profissões. É alguém que precisa conviver com a frustração de não ter salvado uma vida. Às vezes, por imaturidade ou por se considerar um ‘semideus’ sofre mais que os outros”, enfatiza. Lippi acredita que os profissionais precisam se livrar das amarras da onipotência de acharem que sabem de tudo, de deixar a vergonha de lado e procurar ajuda. “Nenhum médico é obrigado a saber toda a medicina, os colegas estão aí para isso”, diz.

Lippi afirma que a depressão é a doença mental mais comum entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras. “Todos são suscetíveis a patologias de ordem mental, principalmente aqueles que não se cuidam. É importante lembrar que o remédio cuida do sintoma, mas as causas precisam de atenção na psicoterapia. O médico pode ser um bom ‘receitador’, mas se não souber o que o cliente tem, não vai resolver o problema”, explica. Por isso, a automedicação não deve ser vista como solução.

Suicídio 
“Os médicos se suicidam cinco vezes mais que a população geral”, afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio da ABP e membro do Grupo de Atenção da Saúde Mental do Médico. Apesar de ser uma atitude drástica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem alertado para o aumento da incidência na taxa de suicídio: um milhão de pessoas se mata no mundo anualmente ou uma morte a cada 40 segundos. No Brasil, observa-se um crescimento de 30% no suicídio entre jovens do sexo masculino nas últimas décadas. Entre os médicos, segundo Alexandrina, os mais vulneráveis estão na faixa etária de 35 a 50 anos.

Suicídio tem prevenção. Isso por que a quase totalidade dos casos – 99% - está associada a um transtorno psiquiátrico. A saúde mental é negligenciada por motivos que vão desde a falta de uma rede de apoio organizada para atender o paciente, no caso do Brasil, até não ser reconhecida socialmente como doença em muitos casos. No senso comum, por exemplo, a depressão é confundida com episódios de tristeza e desventuras da vida. Todo esse contexto de preconceito, falta de informação e tabu agrava a busca por ajuda quando o doente é o médico. Problemas de ordem mental ainda são vistos como motivo de vergonha e assunto para – se for para conversar – que seja baixo para ninguém ouvir. Enquanto isso, pessoas têm suas vidas desestruturadas, muitas tentam se matar para amenizar o sofrimento e outras tantas conseguem.

O suicídio é um tema tão complicado que é estimado um número de vítimas duas ou três vezes maior em razão da subnotificação ao registrar a causa da morte. Curiosamente, no caso de médicos, a psiquiatra Alexandrina Meleiro aponta em artigo intitulado ‘Suicídio na população médica: qual a realidade?’, publicada na edição deste mês da Revista Brasileira de Medicina, uma situação contrária. “Na população geral, existe uma tendência de o médico não registrar que a causa da morte foi por suicídio. Geralmente, registra-se a causa externa da internação, como, por exemplo, queda de altura, envenenamento, intoxicação exógena (excesso de remédio). Um levantamento de atestados de óbitos feito pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) mostrou que, quando a profissão da vítima era a medicina, a palavra suicídio aparecia. Uma das hipóteses é que, por se tratar de um colega, o rigor da notificação é maior. E aí fica a pergunta: será que, de fato, os médicos se suicidam mais ou houve um zelo maior quando se tratava de médico? A resposta eu não sei”, problematiza a psiquiatra.

Alexandrina Meleiro afirma que outra razão para a subnotificação na população geral é que os seguros de saúde e seguros de vida geralmente não cobrem situações de ato voluntário contra a própria vida. “É comum na prática médica registrar a causa externa para proteger a família da vítima”, explica.

O levantamento do CREMESP publicado em 2012 mostra também que, entre as causas externas de morte de médicos em São Paulo, o suicídio aparece em segundo lugar: 21% no caso das mulheres e 18% em homens (veja gráfico). Em primeiro, está o acidente automobilístico, mas para Alexandrina Meleiro, paira uma dúvida: “Foi um acidente de fato ou a vítima usou o carro como meio de suicídio?”, questiona. “Temos um alto índice de mortes por acidentes automobilísticos entre os médicos jovens e não há diferença entre os gêneros. Há um quadro autodestrutivo em que indivíduo teria alguma intenção suicida, são os chamados ‘autocídios’”, explica.

Tipo de morte por causas externas descritas como causa básica de morte de médicos no Estado de São Paulo entre os anos de 2000 e 2009, de acordo com o gênero (Dados sobre mortalidade dos médicos no Estado de São Paulo, CREMESP, 2012) (Arte: Soraia Piva)
Tipo de morte por causas externas descritas como causa básica de morte de médicos no Estado de São Paulo entre os anos de 2000 e 2009, de acordo com o gênero (Dados sobre mortalidade dos médicos no Estado de São Paulo, CREMESP, 2012)


Meleiro aponta algumas hipóteses em relação ao comportamento dos médicos que cometem suicídio:

1. Manifestam especial vulnerabilidade ou experiências de eventos circunstanciais diferentes (recente perda profissional ou pessoal, problemas financeiros ou de licença) em relação aos outros médicos;
2. Tendem a trabalhar mais horas que os outros colegas;
3. Tendem a abusar de álcool e outras substâncias;
4. Estão mais insatisfeitos com suas carreiras médicas que outros médicos;
5. Dão sinais de aviso da intenção de suicidar-se a outros;
6. Têm transtorno mental e emocional com mais frequência;
7. Tiveram dificuldades na infância e seus problemas familiares são comuns;
8. Automedicam-se mais frequentemente que os outros colegas



Dependência química 

Trabalho realizado em 2004 na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) intitulado ‘Perfil Clínico e Demográfico de Médicos com Dependência Química’ mostra que os médicos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias em relação à população geral. A incidência varia entre 8% e 14%. O estudo coletou dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química.

A frequência de uso nocivo e dependência de opióides (anestésicos derivados da morfina) e BZD ou benzodiazepínicos (popularmente conhecidos como tranquilizantes de tarja preta) é aproximadamente cinco vezes maior entre os médicos que na população geral. Alexandrina Meleiro aponta que o uso de opióides é motivo de suicídio principalmente entre anestesistas.

José Raimundo Lippi alerta ainda que a facilidade de acesso a esses opiácios é uma porta de entrada para a dependência química entre médicos. “Drogas medicinais que só são encontradas em hospitais, principalmente as medicações usadas em anestesia, aparecem como solução para o alívio de tensão”, afirma. Gráficos abaixo mostram alguns resultados do estudo da Unifesp:

Drogas mais consumidas entre os médicos acompanhados:



Especialidades médica mais envolvidas em dependência química:


'Perfil Clínico e Demográfico de Médicos com Dependência Química', trabalho realizado em 2004 na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) (Arte: Soraia Piva )
'Perfil Clínico e Demográfico de Médicos com Dependência Química', trabalho realizado em 2004 na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp)


O estudo mostrou também os diagnósticos mais encontrados. Em primeiro apareceu a depressão, seguida de transtorno afetivo bipolar e transtornos de personalidade. Na sequência, esquizofrenia e transtorno de ansiedade generalizada. Os pesquisadores apontaram ainda as situações facilitadoras para dependência de drogas. Veja:

1) acesso fácil aos medicamentos
2) perda do tabu em relação a injeções
3)história familiar de dependência
4) problemas emocionais
5) estresse no trabalho e em casa
6) busca de emoções fortes
7) auto-administração no tratamento para dor e para o humor
8) fadiga crônica
9) onipotência e padrão de prescrição exagerada
10) os de especialidade de alto risco (Anestesiologia, Emergência e Psiquiatria)

DEPOIMENTO:
Super-herói de carne e osso
Uma médica e professora universitária de Belo Horizonte que não quer ser identificada conversou com o Saúde Plena. Ela será chamada de Márcia e conta que já se envolveu emocionalmente em histórias não apenas de colegas de profissão, mas de amigos e nomes de referências na medicina que se perderam em jornadas exorbitantes de trabalho que, segundo ela, variam entre 80 a 100 horas semanais. “O médico tem adoecido por um excesso de cobrança, falta de descanso, de sono reparador, uma dieta inadequada, falta de tempo com a família e de uma atividade física, um quadro que leva a uma sobrecarga mental. A carga de responsabilidade é tão grande que muitas vezes conduz a um estado de exaustão”, afirma ela. 

Nas três histórias que Márcia acompanhou de perto os profissionais não procuraram ajuda. “A fiscalização não é rígida a esse ponto. O médico pode, por exemplo, prescrever o remédio para esposa, mas para ele usar. Eu mesma já prescrevi para mim. Às vezes é uma questão de praticidade e pode começar com um medicamento para ajudar a dormir. No meu caso, nunca me tratei sozinha e nunca fui dependente de nada, mas tenho várias histórias para contar de ex-professores e amigos. Eles precisaram ser afastados e, em alguns casos, se envolveram até em problemas judiciais”, relata. 

O primeiro foi de uma professora referência em trauma com atuação no setor de urgência e emergências de hospitais na cidade. “Era uma pessoa extremamente capacitada, mas tinha uma jornada de trabalho de quase 100 horas semanais. Ela amava o trabalho que fazia e não era casada. Não cuidava quase nada da vida pessoal. Foi quando começou a injetar no próprio corpo um medicamento chamado fentanil que traz uma sensação de alívio, mas é perigosíssimo porque causa várias alterações no organismo e pode até provocar a morte das pessoas. Ela entrou num ciclo de vício tão grande que começou a roubar o remédio do hospital para sustentar o vício. Lembro de um dia ela chegar na sala de aula com a marca do garrote no braço. Foi um choque muito grande por ela ser uma referência para inúmeros profissionais e parou, inclusive, de exercer a medicina”, conta.

Márcia também se recorda de uma história que, infelizmente acabou em morte. “Ele era um padrinho na medicina para mim. Além da graduação em medicina, tinha também a de farmácia. É um exemplo de um profissional que trabalhava muito e começou a oscilar entre buscar uma vida mais equilibrada e entrar na destruição total. Nesse período, os colegas mais próximos costumavam brincar que ele tinha a época do zig, em que comia bem, dormia bem, não bebia e fazia exercício físico; e a época do zag, em que bebia todos os dias e, por compulsão alimentar, comia tudo que viesse na cabeça. Teve um dia em que ele foi buscar umas daquelas fitinhas de exame para detecção de glicose na urina e foi ao banheiro. Como ficou um pouco de urina na mão dele e ele segurou as fitinhas, fez o exame e acabou descobrindo que estava diabético. A pressão arterial dele também era desequilibrada e, aos 53 anos, faleceu de infarto agudo do miocárdio”, recorda-se. 

A médica cita também o caso de uma colega casada e com filhos que pegava muitos plantões por semana para, segundo Márcia, pagar as contas. “Ela não descansava. Uma noite, saindo de um desses plantões, foi convidada para tomar cerveja e aceitou. Alguém ofereceu para ela um cigarro que tinha crack. Ela fumou sem saber e começou a se viciar. Tenho amigos que chegaram a buscá-la em cracolândia completamente fora de si. Já faz três anos que ela está em fase de recuperação”, narra. Para ela, a colega descobriu no crack um mecanismo de fuga para aliviar a tensão e tirá-la da rotina maçante.

Márcia acredita que a sensação de uma suposta autossuficiência dificulta que o médico procure ajuda. “Sou médico, sei me tratar. É como se o médico não pudesse fracassar e não pudesse mostrar esse lado humano. E a sociedade ainda acha que o médico sempre tem que dar conta, mas somos um super-herói de carne e osso, tão carne e osso quanto o paciente”, pondera. Para ela, é importante refletir: “até que ponto vale a pena trabalhar tanto parar sustentar um padrão de vida?”. 

A médica, que se inscreveu para participar da I Jornada de Saúde Mental dos Médicos, diz que gostaria de convidar os colegas a refletir sobre os seguintes pontos: tempo de jornada de trabalho, tempo para praticar exercício físico, tempo para estar com os filhos e com a família, cuidado com a alimentação. Ela cita o modelo ‘Dahlgren & Whitehead’ de qualidade de vida para nortear a atenção que as pessoas devem dar aos fatores que estão relacionados à saúde. Veja:
Modelo 'Dahlgren & Whitehead' de qualidade de vida (Arte: Soraia Piva)
Modelo 'Dahlgren & Whitehead' de qualidade de vida

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

OMS: Brasil é 4º em crescimento de suicídios na América Latina

Mulher deprimida (Thinkstock)
Apenas quatro países latino-americanos tiveram mais aumento de suicídiso que o Brasil em 12 anos
O Brasil é o quarto país latino-americano com o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012, segundo um relatório inédito divulgado nesta quinta-feira pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O documento, que reúne dados compilados em dez anos de pesquisas sobre o suicidio ao redor do planeta, descreve a questão como um grave problema mundial de saúde pública, frequentemente cercado de tabus, que precisa ser enfrentado pelas autoridades.
De acordo com o relatório, na América Latina, apenas cinco países tiveram um aumento percentual no número de suicídios entre 2000 e 2012: Guatemala (20,6%), México (16,6%), Chile (14,3%), Brasil (10,4%) e Equador (3,4%).
A OMS estima que 800 mil pessoas se suicidam por ano em todo o planeta, uma pessoa a cada 40 segundos. Essa é a segunda maior causa de morte em pessoas entre 15 e 29 anos, enquanto que os mais de 70 anos são aqueles que mais frequentemente se tornam suicidas.
Apesar disso, apenas 28 países têm uma estratégia nacional de prevenção de suicídios, de acordo com a OMS, e o Brasil é um deles. Segundo o Ministério da Saúde, "a rede pública oferece acompanhamento psicológico, psicoterápico e assistência psiquiátrica hospitalar" para prevenir suicídios.

Líder entre latinos

Em números absolutos, o Brasil é líder entre os países latino-americanos, de acordo com o relatório. Foram 11.821 suicídios entre 2010 e 2012.
Apesar de terem apresentado um aumento maior de suicídios que o Brasil, os outros três países que lideram o crescimento de casos na América Latina têm quantidades bem inferiores de casos.
A Guatemala, cuja cifra aumentou 20,6% desde 2000, teve 1.101 registros. Já o México, segundo no ranking, teve 16,6% casos a mais em 2012, mas o país soma 4.951, menos da metade dos casos brasileiros.
No Brasil, chama a atenção o fato de o número de mulheres que tiraram a própria vida ter crescido mais (17, 80%) do que o número de homens (8,20%) no período de 12 anos.
Suicídios em 2012Taxa por 100 mil habitantes (2012)Taxa por 100 mil habitantes (2000)Aumento em 12 anos
Mulheres2.6232,52,117,80%
Homens9.1989,48,78,20%
Total11.8215,85,310,40%

Nas escolas

A OMS diz o estigma social associado a desordens mentais impede pessoas de buscar ajuda e, em último caso, acaba levando muitas pessoas a atentar contra a própria vida.
Por isso, a organização está pedindo que os diferentes países ofereçam mais apoio às pessoas que já tentaram alguma vez se matar e que, por isso, fazem parte de um grupo de maior risco.
A meta estabelecida pela organização é reduzir, em 10%, a taxa de suicídio mundial até 2020.
No relatório, a OMS também ataca a mídia, dizendo que publicar notícias com detalhes sobre suicídios estimula outras pessoas a também tentar se matar. Isso teria acontecido recentemente com a cobertura do suicídio do ator hollywoodiano Robin Williams.
Outro ponto levantado pela organização é a necessidade de limitar o acesso das pessoas a armas de fogo e produtos químicos letais.

Ministério da Saúde

A reportagem da BBC Brasil entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber se havia alguma ação específica da pasta para tratar o problema crescente do suicídio no país.
Na resposta, o Ministério mencionou um plano de ação chamado "Estratégia de Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio", que inclui 2.128 Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) espalhados pelo Brasil para realizar assistência especializada, com capacidade para 43 milhões de atendimentos por ano.
Nesses centros, ainda de acordo com o governo, "o paciente recebe atendimento próximo da família, assistência média e cuidado terapêutico conforme o seu quadro de saúde. O local também prevê a internação quando há orientação médica."
O investimento total do Ministério da Saúde na prevenção ao suicídio com a criação dos CAPs foi de R$ 2 bilhões nos últimos três anos.
A pasta ainda informou que a rede pública disponibiliza medicamentos gratuitos (sob prescrição médica) para tratar doenças psiquiátricas, como a depressão - uma das causas mais comuns que levam ao suicídio.
Sobre o crescimento do número de suicídios no Brasil, o Ministério disse que "a taxa média brasileira (5,8 por 100 mil habitantes) é praticamente a metade da média mundial (11,4 por 100 mil) e está bem abaixo de outros países da América do Sul, como Argentina (10,3), Bolívia (12,2), Equador (9,2), Uruguai (12,1) e Chile (12,2)."

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Em dez anos, suicídio de crianças e de pré-adolescentes cresceu 40% no Brasil


"Mas você tem tudo o que quer. Por que fez isso?" Seja em um choro dolorido ou aos gritos de raiva, a frase é comum no pronto socorro de psiquiatria para onde são encaminhadas as crianças e adolescentes que tentaram se matar.
Sai da boca dos pais, atônitos com a confissão do filho que se cortou todo ou que ingeriu uma dose cavalar de medicamentos. Pouco falado, o suicídio na infância e adolescência tem crescido nos últimos anos.
Dados do Mapa da Violência, do Ministério da Saúde, revelam que ele existe e está crescendo. De 2002 a 2012 houve um crescimento de 40% da taxa de suicídio entre crianças e pré-adolescentes com idade entre 10 e 14 anos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o aumento foi de 33,5%. 
"Ao contrário do adulto, que normalmente planeja a ação, o adolescente age no impulso. São comportamentos suicidas para fugir de determinada situação que vez ou outra acabam mesmo em morte", afirma a psiquiatra Maria Fernanda Fávaro, que atua em um Pronto Socorro de psiquiatria em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo. Aos cuidados de Maria Fernanda, são encaminhadas as crianças e adolescentes que chegaram feridas ao hospital.
Ao serem perguntados sobre o motivo de terem se mutilado com gilete, se ferido com materiais pontiagudos, cortado o pulso ou ingerido mais de duas dezenas de comprimidos, a reposta é rápida, e vaga.
"A maioria diz que a vida não tem sentido, que sentem um vazio. Muitos têm quadros associados à depressão", afirma Maria Fernanda. O cenário é tão recorrente, diz a psiquiatra, que há sites, blogs e páginas de rede social que ensinam as melhores técnicas e ferramentas para que a criança tire a própria vida.
Para os mais novos, se matar é, de fato, mais difícil. Dados mostram que, a cada suicídio adulto, há de 10 a 20 tentativas que não acabaram em morte. No caso de crianças, são estimadas 300 tentativas para um suicídio consumado, seja porque usam método pouco letal, seja por dificuldade de acesso a instrumentos. "Muitos contam que vêm se cortando a mais ou menos um ano, e a família não sabe disso."
Assunto proibido
Esse desconhecimento familiar não deve ser encarado como um descaso, mas visto sob a lógica do quanto o tema do suicídio ainda é um tabu na sociedade, afirmam os especialistas. No caso de crianças e adolescentes, suicídio segue sendo um assunto proibido, apesar de estudos mostrarem que 90% dos atendimentos em emergência psiquiátrica são decorrentes de tentativas de se matar.
"Existe o mito de que o suicídio se concentra nos países nórdicos. Eles realmente lideravam, mas tomaram atitudes e conseguiram reverter o quadro. Enquanto isso, a gente continua sem falar nisso e vê os números crescendo", alerta Carlos Correia, voluntário há mais de 20 anos do Centro de Valorização da Vida (CVV).
Dados divulgados pela OMS na semana passada mostraram que o Brasil é o quarto país latino-americano com o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012 e o oitavo do mundo em números absolutos de pessoas que tiram a própria vida. Foram 11.821 suicídios no período, aumento de 10% em relação à década anterior. 
Uma situação que, segundo os especialistas, reflete a falta de programas de prevenção. Apesar de a taxa no País ainda ser inferior a 10 por 100 mil habitantes – quando a OMS considera alta, a população é muito grande e o Brasil está entre os dez primeiros em suicídios. 
“O que não pode é o Brasil votar em março sobre o relatório da OMS, mas não promover o plano de prevenção ao suicídio”, completa o médico Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio.
O psiquiatra infantil Gustavo Estanislau compara com países desenvolvidos. "Lá fora, existem projetos de prevenção há muito tempo. Eles já têm isso tão bem organizado que funcionam como um guia. Tem equipes até para agir nas escolas quando, por exemplo, uma criança se mata. No Brasil, não conheço nenhum projeto desse tipo."
Por onde começar
Os primeiros passos para criar um programa de prevenção eficaz são trabalhar na identificação de fatores de risco, investir em serviços especializados e definir quais são as populações mais vulneráveis, com atenção àqueles que já apresentaram tentativas de suicídio.
Maria Fernanda conta que boa parte das crianças e adolescentes que ela atende no pronto socorro psiquiátrico é reincidente: já tentaram se matar outra vez e, machucados, passaram por um clínico geral que os liberou em seguida. “É a realidade da maioria, porque ainda são poucos os serviços especializados”, diz.
Quando essa mesma criança tem acesso a um serviço especializado, o resultado pode mudar seu futuro. “Atendo e avalio se ela mantém o risco suicida. Se ela diz que tentou se matar e continua querendo, a gente interna. Se não há risco, indicamos um acompanhamento ambulatorial. Só não pode é voltar para casa do jeito que chegou”, afirma Maria Fernanda.
Como eu vou saber?
Os especialistas afirmam que é preciso prestar atenção a qualquer sinal que a criança ou o adolescente demonstre sobre vontade de tirar a própria vida. Além de comunicar verbalmente o objetivo de se matar, ela pode apresentar sinais como tristeza prolongada, mudança brusca de comportamento, agressividade e intolerância.
“A primeira coisa a fazer é considerar que há um risco. Não pode achar que é bobagem, coisa momentânea ou para chamar atenção. O suicídio tem um aspecto importante, que é a comunicação. Se a pessoa está comunicando que tem um tipo de sofrimento e que não encontra uma saída, é preciso ficar atento e procurar um serviço de saúde mental”, afirma D’Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio.

Amazonas registra o maior crescimento  de suicídio de jovens do País 

Dados do Mapa da Violência foram lembrados no Dia Mundial da Prevenção do Suicídio

Manaus - Segundo dados do Mapa da Violência do Ministério da Saúde (MS), o Amazonas tem a maior taxa de crescimento de suicídio juvenil do País: 134,9% entre os anos de 2002 e 2012. O mais preocupante, de acordo com o MS, é que estima-se 300 tentativas para cada caso registrado, além da sub-notificação. O levantamento, divulgado em julho, voltou ao debate na última quarta-feira, Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.
A dona de casa Maria* entrou em desespero quando a filha Katia*, de 20 anos, disse que tinha chegado a medir a altura entre o telhado da varanda e o chão para ver se conseguia pendurar uma corda e pular. “Ela não falou diretamente a palavra suicídio, mas como já vinha apresentando sinais de depressão, decidi procurar ajuda antes que minha filha tirasse a própria vida. Hoje, fora do quadro depressivo, ela me contou que só não se matou naquela época porque pensou em mim”, contou. 
 
Já a cabeleireira Eliane* chegou a tempo de segurar as pernas do filho André*, de 18 anos, que estava em cima de um banco e preso a uma corda amarrada na sacada da janela do quarto. “Deus me deu forças e eu o segurei a tempo e impedi que ele pulasse. Como sequela, ele ficou com uma cicatriz no pescoço”, disse.
Outras mães não tiveram a mesma sorte que Maria e Eliane e seus filhos. No período de dez anos, aponta o Mapa da Violência, 100,6 a cada 100 mil crianças, adolescentes e jovens com menos de 25 anos cometeram suicídio no Estado. Foram 781 mortes, destas 402 em Manaus, 65,5 para cada 100 mil habitantes juvenil da capital.
A psicóloga Auxiliadora Ribeiro, da clínica Pais e Filhos, afirma que vários motivos levam um jovem escolher por fim a sua vida e, na maioria dos casos, estão ligados à depressão. Ela alerta que os familiares devem estar atentos aos sinais. 
“A qualidade de vida que tem, o tipo de família que ele pertence, o papel que ele desempenha perante os familiares, as frustrações, as perdas, as decepções, o uso excessivo de álcool e drogas e o nível de tolerância que ele encara sua vida pode levá-lo ao suicídio”. disse.
Para ela, a  grande demanda dos dias atuais requer investimento e participação dos jovens nas mais diversas esferas e contextos familiares. “Sendo assim o jovem se vê pressionado a responder cada vez mais. Alguns percebem-se incapazes e veem no suicídio uma solução”.  
Ela orienta que a atenção dos pais, a acolhida nos momentos difíceis e o limite são ingredientes que permitem que, em situações que geram ameaça ao jovem, ele possa apresentar defesas adequadas e assim bloquear  as situações que geram angustia e ansiedade. 
Ranking
O Mapa da Violência também aponta dois municípios amazonenses, de até 20 mil habitantes, entre as três maiores taxas de suicídio de jovens do País.  Em primeiro lugar no ranking,  está São Gabriel da Cachoeira (51,2) e, em terceiro, São Paulo Olivença (36,7). Em segundo, aparece Três Passos, no Rio Grande do Sul (41,9).
Tefé, com taxa de 16,7, também aparece no Mapa da Violência na 29ª posição e Tabatinga, com 14,7, na 90ª posição, entre as 100 cidades de até 20 mil habitantes com as maiores taxas de suicídio juvenil.
De acordo com o Mapa da violência, entre o número de casos  de suicídio na população geral, o crescimento foi de 131,3% entre 2002 e 2012, no Estado. Em Manaus, no mesmo período, o crescimento foi de 89,6%. Foram  1.407 mortes em dez anos, que representa a taxa de 90,7 para cada 100 mil habitantes. Em Manaus, foram 784 mortes, 51,6 para cada 100 mil.
O MS alerta que  os suicídios vêm aumentando de forma progressiva e constante, no Amazonas. Foram 80 em 2002, 147 em 2008 e 185 em 2012. Entre os jovens foram 43, 93 e 101, no mesmo período.
*Os nomes são fictícios para manter a privacidade das famílias.