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domingo, 27 de novembro de 2016

Proibir de falar sobre a morte mata, empatia previne.


Meu nome é Alan.
Tenho 24 anos. Amo minha família, minha mãe, tenho amizades maravilhosas, um gato chamado Joaquim, superei fortes desafios pessoais desses de quem não vem de um berço de ouro, tenho um emprego que gosto, consegui com muita batalha estar na faculdade que queria.
Mas numa época eu esqueci disso tudo e pensei em me matar.
O suicídio é ainda alvo do moralismo de muita gente. Não é incomum encontrar pessoas horrorizadas por alguém falar em dar fim à própria vida. Também cercamos conversas sobre este assunto de análises bobas como “quer só chamar atenção”, “quem quer se matar não avisa” e várias outras que afastam a possibilidade de um diálogo.
E quando se trata de ideações suicidas, quanto mais silenciadas, mais perigosas são.
Não sei se fruto de uma sociedade que desnaturalizou a tristeza com comerciais que vendem tudo através de modelos sorridentes, mas criamos um desprezo  por gente que admite ter sua face obscura, mesmo sabendo que todos nós temos. Não acreditamos na dor dos outros como cremos na nossa. Gente que sofre e pensa em desistir, num mundo cheio de super-heróis por todo lugar, é desprezível pra quem se esconde de como é complexo viver.
A maior parte dos suicídios poderiam ser evitados caso vivêssemos com mais empatia e informação. Poder falar, contar pra alguém, chegar até às ajudas necessárias é primordial. Por isso estou vivo. Tive amigos, família, consegui amparo profissional capacitado. Nos dias de maior dificuldade achei lugar pra conversar sem o moralismo que afasta, deprime. Já passou a época de por falta de conhecimento termos o suicídio como um crime.
Ninguém falha, como erra num assalto, na tentativa de suicídio, sobrevive.
Mortes por suicídio são mais numerosas que todas as formas de violência interpessoais (guerras, homicídios). Estatisticamente é mais fácil uma pessoa morrer pelas próprias mãos do que assassinada por outra. Mesmo assim há muito silêncio sobre o tema.
Quem sabe um dia, não muito distante, será mais comum alguém sofrer, chegar a ter ideações suicidas, mas no fim conseguir ter vida pra contar isso numa crônica, ou em qualquer outro lugar, e alcançar outras pessoas com um pouco de “Tudo bem, eu também já quis me matar. Você não é um criminoso imoral por isso.” É só um ser humano de verdade, capaz de tristeza e alegria, como não apareceu nos intervalos comerciais. E deixar quem precisa dizer o que pensa da vida, quem precisa demais desabafar, dizer, chorar.
Viver é tempestade e calmaria,
amor e desamor, fome e comida
e a gente aguentando firme essa história que nos coube ser.
Se você está passando por um momento como passei, pode procurar a CVV, no site ou ligar no 141. Eles te ajudarão! Para entender mais sobre suícidio recomendo o artigo Suicídio: Observações sobre a tragédia de não mais querer viver  publicado no Comportese.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016



Na abertura do documentário "The Mask You Live In" ("A Máscara em que você vive" - ), um treinador e ex-jogador da NFL (a liga de futebol americano) decreta: "As palavras mais destruidoras que todo homem escuta quando garoto é quando lhe dizem 'seja homem!'".

A declaração é acompanhada por professores, psicólogos, sociólogos e outros profissionais que acompanham a formação dos meninos. Muitos deles, desde cedo, são submetidos a uma educação que desestimula a exteriorização de sentimentos, cobrados de um ideal de masculinidade ligado à força e a agressividade, com frases como "homem não chora", "não seja covarde", "não leve desaforo pra casa", "resolva as coisas como homem" e tantas outras que insinuam que, para serem reconhecidos, jamais poderão demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade.

A cultura da masculinidade está comumente ligada à violência, rivalidade e competitividade. Necessidades universais como acolhimento, carinho e comunicação são consideradas femininas e instantaneamente rejeitadas por meninos, especialmente na adolescência, quando estas características geram humilhação e exclusão nos grupos.

Isso talvez ajude a explicar o porquê de a maioria dos crimes ser cometido por homens, sendo eles responsáveis por 95% dos homicídios em todo o mundo (veja reportagem aqui). Também são eles a maioria das vítimas por morte violenta. A pressão para demonstrar masculinidade faz também dos homens as maiores vítimas de suicídio, pois é comum não se sentirem livres para dividir dores e angústias com os amigos e pedir ajuda, como acontece com as mulheres. Há a necessidade de se mostrar sempre inabalável.

O sofrimento, inerente a todos os seres humanos, deveria ser acolhido e compreendido pela sociedade, contribuindo para o crescimento emocional dos meninos, mas, como não consegue ser comunicado de forma saudável, acaba por se transformar em raiva, agressividade e violência.

Todas as pessoas, independente do gênero, desejam a proximidade e a intimidade com as outras, que lhes permitam serem verdadeiras e não terem que usar máscaras para serem aceitas. Negar isso aos meninos pode condená-los à  carência afetiva que desencadeia muitos problemas emocionais, como a depressão, ideação suicida, síndrome do pânico etc. Uma sociedade mais fraterna e menos violenta começa pela construção do ideal de um novo modelo de masculinidade, em que homens também sejam livres para dar e receber afeto e cuidados.

Luiza

CVV Belém (PA)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Agrotóxicos, depressão e dívidas criam ‘bomba-relógio’ de suicídios no RS



Mas, quando Simone Rovadoski, de 39 anos, saiu da casa para ajudar o marido José Dell Osbel, de 44 anos, no cultivo dos 48 mil pés de tabaco da família, encontrou-o morto.
"Não pude evitar que as crianças vissem. Foi um horror", relembra Simone sobre o suicídio do marido, em Gramado Xavier, a 156 km de Porto Alegre. "Ajuda a salvar meu pai, ajuda!", pedia o filho do casal, na época com 13 anos, para curiosos que se aproximavam.
Osbel passou a integrar as estatísticas que fazem do Rio Grande do Sul o Estado com mais casos de suicídios no Brasil: 10 a cada 100 mil habitantes.
 taxa é praticamente o dobro da brasileira (5,2 por 100 mil em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde) e próxima da taxa mundial (11,4 por 100 mil, segundo a Organização Mundial da Saúde).

Agrotóxicos e depressão

Gramado Xavier, com pouco mais de 4 mil habitantes, fica na região central gaúcha, conhecida por ser um polo fumageiro - da indústria do fumo.
A conexão entre suicídio e plantadores de fumo é apontada em diversos estudos científicos. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa gaúcha apontava, em 1996, que 80% dos suicídios da cidade de Venâncio Aires, a maior produtora de tabaco do Estado, eram cometidos por agricultores. O mesmo estudo mostrava aumento nos suicídios quando o uso de agrotóxicos era intensificado.
Segundo uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o uso de agrotóxicos, como os organofosforados, aumenta as chances de depressão dos agricultores.
Em 2014, 20% de cem fumicultores entrevistados sofriam de depressão, segundo a UFGRS. O quadro depressivo por exposição aos venenos, somado a fatores sociais e culturais, pode evoluir para o suicídio.
A relação é contestada pelo Sindicato da Indústria do Tabaco local (Sinditabaco), que diz que "atrelar casos de suicídio ao uso de agrotóxicos na cultura do tabaco é inconsistente".
O Rio Grande do Sul tem 73.430 famílias (mais de 577 mil pessoas) que colhem 255 mil toneladas de tabaco anualmente, de acordo com a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).
A Afubra alega que as empresas fumageiras orientam os agricultores quanto à aplicação correta dos defensivos e o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Segundo o Sinditabaco, "alguns produtores ainda resistem à utilização correta do EPI".
Mas "o agrotóxico, para fazer efeito, tem que ser aplicado quando tem sol, naqueles calorões infernais de novembro. O suor embaça os óculos (do equipamento), a máscara sufoca, falta ar. A luva prejudica a coordenação motora fina", conta Mateus Rossato, de 35 anos, que trabalhou na lavoura da família dos 12 aos 20 anos, em Nova Palma, a 224 km da capital gaúcha.
Rossato avalia a falta de ergonomia dos equipamentos de segurança porque hoje entende sobre o corpo humano: é professor de Educação Física na Universidade Federal do Amazonas.
Para ele, os equipamentos não são adequados às necessidades reais dos agricultores. E, mesmo quando são usados, não impedem que o veneno, que é carregado nas costas, escorra pelo corpo no momento da aplicação.

Doença da folha verde

Os danos à saúde relatados pelos próprios agricultores, porém, não são somente psíquicos.
Do total de entrevistados no estudo da UFRGS, 67% apresentaram os sintomas da doença da folha verde do tabaco (DFVT), causada pela intoxicação por nicotina através do contato da planta úmida com a pele. Os principais sintomas são vômito, tontura, dor de cabeça e fraqueza, de acordo com o Ministério da Saúde.
Antes de suicidar-se, Osbel chegou a ser internado para tratar a depressão. Mas antes foi diagnosticado por diferentes médicos com sinais da doença da folha verde.
Hemograma de José Dell OsbelImage copyrightARQUIVO PESSOAL
Image captionO exame de José Dell Osbel demonstrava o impacto da doença da folha verde do tabaco
"Ele ia para a roça e logo tinha que procurar atendimento porque desmaiava", relembra Simone.
Ela conta que, depressivo e intoxicado, Osbel também abusava do álcool.
"Os agricultores acabam tratando seus problemas com o álcool. É mais um fator de risco", afirma o médico psiquiatra Rafael Moreno de Araújo, coordenador do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS).
O médico ressalta que o histórico familiar, influenciado tanto pela herança genética como pela cultura local, também colabora para o suicídio. Além de tudo, Osbel tinha um avô que havia se suicidado.
"É uma bomba-relógio", diz o psiquiatra ao enumerar os fatores de risco aos quais os fumicultores estão expostos: genética, baixa escolaridade, histórico familiar, estilo de vida estressante e intoxicação.

Dívidas com as fumageiras

A questão financeira é o principal gatilho para o estresse entre fumicultores. Eles precisam organizar o dinheiro que recebem apenas uma vez por ano para sustentar a família pelos 12 meses seguintes.
Além disso, a maioria deles tem dívidas com as próprias empresas que compram sua produção. Não é raro que os processos movidos pelas companhias terminem com a tomada das terras dos agricultores.
"A perda das terras é a perda da vida deles", analisa o advogado Mateus Ferrari, que atende diversos casos de agricultores endividados.
A dívida inicia quando o agricultor se compromete a entregar sua produção a uma empresa específica. A empresa fornece sementes, venenos e equipamentos de segurança e muitas vezes exige a construção de galpões. Mas tudo isso é descontado do valor a ser pago pela produção.
Quando esta é entregue, a empresa classifica as folhas através de uma amostra: quanto mais qualidade, mais será pago. Muitas vezes os agricultores recebem menos do que o planejado e ainda precisam pagar suas dívidas dos insumos.
"Eles não têm como argumentar, a maioria tem escolaridade baixa. É o tempo todo sob ameaça: 'vamos cancelar o pedido, colocar teu nome no SPC e acionar a Justiça'", relata Ferrari.
Sob ameaça de perderem suas terras e querendo receber os insumos da próxima safra, os agricultores acabam assinando sua confissão de dívida, não raro com juros sobre juros, sem estarem completamente cientes das consequências.
"A gente tenta salvar as terras, mas não há como combater os contratos. Então, tentamos um acordo para que os agricultores consigam pagar", explica Ferrari.
Depois que o marido se suicidou, Simone ficou um ano sem plantar porque, endividada, não conseguia adquirir insumos. Só retomou a lavoura porque fez novos créditos no nome "limpo" da filha, de 19 anos.

Falta de apoio

Alguns dos processos contra os agricultores são iniciados pela própria Afubra, em teoria representante deles. A entidade alega que só entra na Justiça contra os fumicultores "quando o individual se sobrepõe ao coletivo", mas não especificou os casos.
A entidade tampouco respondeu se ajuda os agricultores a entenderem seus contratos ou se atua de alguma maneira na prevenção de suicídios.
Questionado se auxilia os agricultores na prevenção do endividamento ou contabiliza o número de casos na Justiça, o Sinditabaco diz apenas que "trata dos assuntos comuns às empresas associadas e, portanto, não dispõe desse tipo de informação".
O pai de Júlio Selbach, de 47 anos, do município de General Câmara, perdeu 22 hectares de suas terras na Justiça. "A causa está perdida, não conto mais com isso. Continuo lutando, mas vai ser muito difícil reverter", diz.
Seu pai era seu fiador de uma dívida de R$ 150 mil que a família considera "inexplicável". "No final das contas tudo é legal. O orientador técnico da empresa traz um monte de folhas e manda tu assinar. Eles dizem 'não adianta nem tu ler que tu não vai entender. Se não quiser assinar, o negócio termina aqui'", relata.

Por causa da dívida e da perda das terras do pai, Selbach largou a plantação de tabaco e agora produz leite. Ele conta que histórias como essa muitas vezes acabam em suicídio porque o "chefe" da família sente culpa por envolver a família em uma situação de conflito.
O psiquiatra coordenador da APRS corrobora a tese. "Nessa região o suicídio é um problema que atinge os homens, que têm essa responsabilidade de ser o provedor da família e acabam ficando com a culpa pela (má) safra, pela dívida", diz Araújo. Segundo ele, poucos desses homens procuram ajuda psicológica.
Há também, segundo ele, negligência no atendimento do sistema de saúde. "Às vezes o paciente chega (após ter tentado) suicídio, passa por uma lavagem no estômago e é liberado, sem avaliação psiquiátrica", relata.

Intoxicação infantil

O problema se torna ainda mais complexo porque a entrada de muitos agricultores na lavoura ocorre muito cedo. O marido de Simone, que se suicidou em 2013, trabalhou na lavoura de fumo por 34 anos, desde criança. Rossato, o professor de Educação Física, também trabalhou na roça quando era pequeno.
Por causa da presença constante das crianças no campo, casos de intoxicação e alergias são comuns.
O filho mais velho de Luciana Pereira da Rosa, de 44 anos, de General Câmara, apresentou sinais de doença da folha verde quando tinha apenas 12 anos. "Ele ia para a roça colher fumo e vomitava direto", relembra a mãe.
O filho agora tem 28 anos e recentemente abandonou a atividade, junto com os pais. Todos se mudaram para Taquari, cidade próxima, por causa da alergia da irmã mais nova, hoje com sete anos. "A pele ficava vermelha, saía sangue e levantava uma casca. Era horrível", lembra Luciana.
Os médicos não davam um diagnóstico preciso sobre a causa, mas Luciana notava que as crises ocorriam logo depois que a substância glifosato era aplicado nos pés de fumo da família ou de vizinhos.
Com a mudança de cidade, a filha não ficou mais doente.
O Ministério Público do Trabalho do RS não dispõe de estatísticas sobre trabalho infantil nas lavouras. De acordo com a procuradora Erinéia Thomazini, de Santa Cruz do Sul, na região fumageira, "em muitos casos a denúncia de trabalho infantil sequer chega".
Uma pesquisa do IBGE aponta que 39.659 crianças de 10 a 13 anos trabalhavam no Rio Grande do Sul em 2010.
O Sinditabaco diz combater a prática, mas agrega que "temos ainda um caminho a percorrer para a completa erradicação do problema". A entidade aponta a necessidade de mais escolas rurais para auxiliar na prevenção.
Quem deixa a plantação de fumo diz que a sensação é de alívio. Mas notícias sobre suicídios de vizinhos e conhecidos sempre chegam.
"Lá na minha região tem uma expressão: 'só se vende corda com receita médica'. Isso porque é alta a incidência de suicídio dos agricultores. Você junta a depressão com a dívida, a frustração de perder uma safra. É o contexto perfeito para se suicidar", comenta Rossato sobre os conterrâneos.
Além disso, o silêncio dos agricultores sobre o tema agrava o quadro. " O suicídio parece que é tratado como um tabu, quase proibido ou até vergonhoso de falar. Claro que dói. Mas preciso falar porque quero que menos gente tire a própria vida, como meu marido fez", alerta Simone.